Poucos anos antes de morrer, em 1997, o jornalista Zózimo Barroso do Amaral, morando em Miami, ironizou em uma crônica que um popular aparelho de barbear feito nos Estados Unidos fazia o dobro de barbas que o da mesma marca produzido no Brasil. Entre os extremos de um produto sofisticado e outro prosaico, separados por quase 20 anos, a realidade é que os casos podem ser encontrados em todos os setores.
Entre as omissões, mentirinhas e fraudes deslavadas, o Brasil tem internet vendida como banda larga mas que funciona à velocidade quase dos primórdios; de vez em quando tem leite e outros alimentos adulterados; tem edifícios que desmoronam e casa noturna incendiada por conta de materiais inadequados e falhas de projetos; tem certos agrotóxicos liberados quando em outros países foram proibidos; entre apenas alguns exemplos pinçados aleatoriamente.
Seja pagando em dinheiro mal gasto ou em vidas, os consumidores brasileiros estão acostumados. Nos casos mais graves, as autoridades invadem os meios de comunicação jurando punição, em cenas de comoção, histrionismo e teatralidade, mas raramente alguém acaba cumprindo pena (nos raros casos de condenação) ou a empresa sofre algum tipo de intervenção (os únicos casos são os bancos, mas somente porque envolve dinheiro público de garantia).
Mas como levar a sério, quando os governos são coniventes, omissos ou praticantes contumazes na venda de gato por lebre? Para ficarmos nos típicos exemplos vistos todos os dias na imprensa: anunciadas com pompa, um sem-número de obras públicas inacabadas ou com prazos estourados, mas sempre com os aditivos carimbados nos orçamentos das empreiteiras. E com o dinheiro dos cidadãos.
Os responsáveis públicos e privados negam sempre, naturalmente. Alegam que cumprem as normas e as leis e que os produtos passam por rigorosos testes de qualidade, mesmo quando as evidências não deixam dúvidas.
Voltemos ao exemplo dos carros nacionais. A Anfavea (entidade que agrega as montadoras) veio a campo desmentindo a matéria, mas vários componentes estruturais são mesmo de menor qualidade se comparado com os similares de outros países, como foi constatado pela insuspeita Latin NCap, órgão independente que faz testes com os veículos em vários países.
A consultoria Informercados Inteligência Comercial, em estudo sobre o mercado brasileiro de plásticos de engenharia (mais nobres, de alta resistência), feito para uma multinacional em 2011, demonstrou que em várias partes e componentes dos automóveis estão sendo usados plásticos menos nobres – “reengenheirados” - no lugar dos primeiros. Com base em afirmações de projetistas e executivos de compras das montadoras, mas principalmente das fornecedoras de peças injetadas sob encomenda, pôde-se verificar até a quantidade e volume embarcadas em comparação com modelos idênticos ou similares produzidos especialmente nas matrizes.
Para uma indústria mimada por incentivos regulares do governo, como redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a justificativa não assumida oficialmente é a necessidade de reduzir custos e aumentar a rentabilidade.
No fundo, é o mesmo argumento por trás de todas as situações. Ainda que de fato os custos de se produzir no Brasil sejam mais elevados, não justifica a falta de respeito indiscriminada.
Relevando entre todos os exemplos, no Brasil virou quase letra morta o 171 (artigo do Código Penal: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”). Virou piada nacional, incorporada ao “jeitinho brasileiro”.
Em tempo: sim, acontece nos países desenvolvidos também – vide o exemplo recente da carne de cavalo em produtos anunciados como de carne bovina na Europa – mas se contam nos dedos.
E as punições acontecem.